Vale do Loire de bicicleta - dia 03 de 05

Na noite de ontem ficamos novamente em um Chambre d'hôte, de Bruno e Cristelle, em Tour-en-Sologne. Ele era mais simples que o anterior. Há um sistema de classificação deste tipo de hospedagem, assim como os hotéis e suas estrelas. Isto está ligado a certos confortos, como ter TV no quarto, piscina e sei lá mais o quê. O preço, evidentemente, também se diferencia.

Se na primeira noite estávamos dentro de uma pequena cidade, na segunda era quase uma região rural, mas tão próxima à cidade de Bracieux que pude ir caminhando noite passada, andar o centro todo da cidade procurando uma farmácia ou mercadinho pra comprar um desodorante (tudo fechado às 20h30 embora ainda fosse dia claro) e voltar pra casa - ida, circulada e volta em pouco mais de 30 minutos.

Mercado Velho em Bracieux - depois das 20h, apenas alguns restaurantes abertos.

Nesta segunda noite, acabamos ficando nos dois quartos que Bruno e Cristelle possuem, pois eles não tinham cama extra pra pôr em um quarto, assim nos dividimos. Mas tudo bem: o preço era o mesmo já pago. Ah, aliás, estas duas noites as reservas e pagamentos foram feitos pelo Airbnb, com a vantagem de além de pagar no cartão de crédito, conseguir parcelar em até 3 vezes. Em geral, em Chambres d'hôte, o pagamento é em espécie e diretamente com os hospedeiros.

Bem, assim como demos um nervoso em Elisabeth e Allan, na primeira noite, demorando pra chegar, na segunda noite também demos um nervoso em Cristelle e Bruno, mas por outro motivo. Deixamos as bicicletas do lado de fora da casa, numa área que não era possível ver da estrada. Considerando ser interior, a vida é bem mais sossegada quanto a roubos. Mas a gente de cidade grande se torna muito desconfiado. Então já era cerca de meia-noite quando resolvi ir colocar a tranca nas bicicletas. A casa já toda escura, os anfitriões dormiam, Aline e Quim dormiam em um quarto, e saí do meu pra me tranquilizar quanto as bicis. Eis que as bicicletas estavam justo na janela do quarto de nossos anfitriões. E, embora eu estivesse tentando agir quietinho, fui fazendo barulhos de ajeitar aqui, escorar ali, encaixar e tal, quando aparece Bruno na porta da rua, de cueca, sem camisa e todo assustado... Pois é, pois é... ele achou que estavam roubando as bicicletas e se apurou pra surpreender o ladrão... Além de muuito desolé, desolé (sinto muito, sinto muito), acabei por nem colocar a tranca, pois ele enfatizou que não era necessário.

Bem, isto era história pra postagem anterior. Mas como aconteceu depois que eu tinha escrito e publicado... tá aí.

O café da manhã também foi muito bom hoje. Baguetes fresquinhas, geléias da região, frutas. Comemos o máximo possível, pois nossos almoços não têm existido. Arrumamos as coisas, carregamos as bicicletas e fomos nos despedir e pegar ainda algumas informações com Bruno. Aproveitamos pra comprar também uma garrafa de suco de maçã produzido por um amigo deles. Eles mantém na sala de casa uma mesa com vários produtos da região. Embora ontem já tivéssemos passado no mercado e comprado itens pra um lanche de janta (e comprado também um suco de maçã), resolvemos provar. Está aí uma das coisas bacanas de circular pelo interior da França, experimentar os produtos de cada região.


Joaquim aproveitou pra brincar com os três cães queridíssmos nos jardins após o café, o que foi ótimo por que embora pensemos em alguma atividade pra ele todos os dias, é bom vê-lo interagir com outros seres que não apenas nós adultos, né?

Decidimos que hoje faríamos um trecho mais curto, indo direto a cidade de Blois, nosso local de pernoite. Isto significa que não perseguiríamos castelos como foi o caso de ontem, ao passarmos por Chambord. O castelo de Chiverny está há uns 8 km daqui de carro (cerca de 10 pela rota de bicicleta), mas isto implicaria em pedalarmos mais de 35 km hoje. E para cumprir nossas metas nos dois próximos dias, já teremos que pedalar um tanto assim. Indo direto para Blois, faríamos uns dez quilômetros a menos. ok, decidido.

No caminho de hoje, percorremos mais zona rural, passando por plantações, terras aradas, algumas casas rurais de pedra com seus celeiros e também por pequenos vilarejos com suas muitas casinhas e jardins floridos.

O tempo tem ajudado. Tem ficado encoberto parte do dia e outra parte sai o sol. Finais de tarde sempre ensolarados, ótimo pra fotos.



No caminho tinha um bode. Tinha um bode, no caminho.
Ao passarmos por um ponte, uns cavalos andando dentro do riacho.


Embora na região haja muitos castelos, ficou claro pra nós que nosso foco de viagem é pedalar. Inicialmente pensamos em perambular de bicicletas por aí, vendo castelos, mas a lógica do pedal é diferente do motor, pois cada 3 ou 4 km corresponde a um tanto de energia e um tantão a mais de tempo de circulação. Até cogitamos fazer visitas internas em alguns castelos, mas, sinceridade? Percebemos que não é o que temos vontade de fazer neste momento e nem saberíamos o que fazer com as bicicletas carregadas durante uma visita - também não nos esforçamos pra saber, rsrsrs... - estamos mais é querendo pedalar e nos surpreender com o que pode surgir depois de cada curva!

Como por exemplo hoje logo no início de nossa pedalada, quando saímos de Bracieux e, na rota pra Blois, nos deparamos com o Castelo Villesavin, que pode ser avistado da estrada. Além disso, esticamos um pedacinho dentro da propriedade, indo de bicicleta até onde é possível antes de iniciar a visita paga.
Castelo Villesavin

No acesso ao Castelo Villesavin

No caminho pra Blois, passamos por uma pequena cidade chamada Mont-près-Chambord. Quando a atravessávamos, vimos uma placa indicando um balneário. Resolvemos conferir. Chegando lá, vimos que se tratava de uma piscina pública (pagava 5 euros para entrar) que tinha um sistema de tratamento de água todo natural. Tínhamos andando quase 9 km, já era mais de 14h e pensamos que um banho de piscina era bem merecido. Pagamos, entramos, não havia muita gente, uns monitores de colônia de férias ou algo assim com um grupo de crianças, mais outras gentes e famílias, o suficiente pra dar credibilidade pra água e para não nos estressarmos durante a pausa rsrsrs. Água fria, pouco sol, foi ótimo para relaxar e aproveitar o verão daqui, né?


Fizemos um piquenique com o que sobrou do lanche da noite passada e ainda mordiscamos algumas maçãs que roubam... (ops) colhemos num pomar na beira da estrada, alguns quilômetros antes.

Macieiras carregadas por toda parte. A gente TINHA que colher algumas...

Tivemos um pouco de dificuldade pra sair da cidade. A "Loire à velo" é uma rota que possui em sua maior parte uma ciclovia. Existem várias outras rotas na região que também tem indicações por plaquinhas e que, eventualmente, tem ciclovias. Muitas vezes são rotas que utilizam caminhos já existentes (entre ciclovias, estradas compartilhadas, trilhas e estradinha secundárias). Mas a sinalização não é sempre muito clara. E tem rotas que são circulares, daí a atenção pra saber se está indo ou vindo. E algumas rotas se encontram, daí a gente pode estar vindo pela rota 8, que em algum ponto partilha um mesmo trecho com a rota 9, que por sua vez vai encontrar a "Loire à velo". Estamos entendendo melhor todo este sistema ao longo dos dias, e as conversas com nossos hospedeiros foram fundamentais pra isso.



Bem, depois de atravessar Mont-près-Chambord, concluir que estávamos fazendo o caminho de volta a Bracieux, atravessar toda Mont-près-Chambord de volta, pedir informação pra 3 pessoas diferentes, consultar o mapa em papel com as rotas e o google maps offline no celular, acabamos encontrando o rumo e seguindo viagem.

Por fim, acabamos voltando para a ciclovia "Loire à velo" (tipo a rainha de todas as rotas, sendo que ela além de margear o rio Loire tem uma extensão que passa pelo castelo de Chambord). Logo avistamos um grande cruzamento com viadutos e estradas em várias direções e claramente a indicação de Blois. É quase um choque após tanto silêncio e natureza.
Seguindo sempre por ciclovias, não demorou muito para avistarmos a bela cidade à margem do rio Loire, com uma linda vista de suas casas, torres e pontes.



Já quase na entrada da ponte que deveríamos atravessar pra entrar na cidade, achamos uma área super gostosa de piquenique e sentamos lá pra verificar o mapa e ver com maior clareza onde ficava nosso hotel. De fácil acesso, atravessamos a ponte, fomos pela rua central, subimos uma ladeira e voilà: Hotel du Bellay.


O hotel fica em uma casa construída em 1460, bem próximo ao centro histórico e ao castelo, já na parte mais alta da cidade. Ao fazer contato, me assegurei de haver local para deixar as bicicletas e o remorque, o que me foi garantido. A senhorinha da recepção nos deu uma chave e explicou onde deveríamos ir pra deixar as bicicletas. Mas eis que a salinha tinha uma porta estreita e o remorque não entrava de jeito nenhum. Voltamos, conversamos e acabamos conseguindo deixar o remorque num espaço ao lado da sala de café e recepção. Ufa!!!

Como chegamos cedo da pedalada de 25 km, tomamos um bom e merecido banho e saímos pra ver a cidade e comer algo, pois aquele piquenique no balneário foi bem fraquinho. Flanamos pela cidade e fomos tentando lembrar do que vimos e não vimos da visita de 2011. Fotos, muitas fotos, não lembrávamos de Blois ser tão bonita e agitada.
No prédio marrom fininho, na portinha de madeira, nossa garagem pras bicicletas.

Nesta rua principal, a ponte de entrada da cidade alinhada




Fome aumentando, começamos a sondar preços em restaurantes. Numa esquina adiante, avistamos um supermercado que fechava às 20h e já era 19h55. Bem, em Paris já nem nos deixariam entrar, mas conseguimos e nos agilizamos pra pegar itens pro café da manhã que optamos em não pagar no hotel (preço: 6 euros por pessoa - e tivemos a impressão de ser daqueles cafés da manhã típicos de hotéis da Europa, isto é, bem básicos e sem graça, tudo de pacotinho e potinho).

Com as compras na sacola, seguimos por uma das ruas de calçadão exclusiva pra pedestres, com vários restaurantes. Aline foi ver o cardápio na porta de um restaurante e eu e Quim indo ver outro quando ele começa a gritar muito e apontar pra perna: uma vespa asiática enorme grudada nele. Consegui matar o bicho, e Joaquim gritando muito, mas muito forte e dolorido. A impressão que tive foi que a rua toda estava apavorada... deveria estar. Logo um casal, com gêmeas num carrinho, veio ver se podia ajudar (Quim berrando). Ela era brasileira, ele francês com família em Blois. Só seria mais conveniente se fossem médicos, né? Ajudaram como podiam, conversando com Quim, pesquisando no celular vendo o que fazer nestes casos, emprestando o que tinham na bolsa (repelente...). Foram eles que identificaram o bicho e nos tranquilizaram dizendo que não era venenoso. Joaquim estava transtornado e chorou muito, mas concluímos que o insetão de 2 cm começou a picada porém não liberou o ferrão antes de morrer assassinado. Joaquim já estava até rindo quando decidimos seguir adiante pra comer algo. Aline foi dar mais uma olhada nas opções por perto e, fala sério, às vezes a vida parece um filme, como o encontro com esta família que nos ajudou e, vejam só, passando por ali naquela rua, Bruno e Cristelle, nossos hospedeiros! Trocamos saudações, conversamos um pouco sobre o ocorrido com Quim e lá foram eles jantar em Blois.

E nosso jantar? Tudo que vimos estava mais caro do que estávamos dispostos a pagar. Quim alternando crises de choro com descontração, nos levando quase a loucura. Acabamos parando num Kebab e, muito tensos, pedimos algo pra levar. Enquanto isso, conseguimos distraí-lo e comemos ali mesmo numa mesinha, nas embalagens de isopor. Eita jantarzinho especial, né?

(desta última parte não tem fotos, faltou clima para os registros, rsss...)

Joaquim voltou caminhando para o hotel e agora esta fazendo o que já queria fazer desde antes de sairmos pra flanar e procurar comida: assistir desenhos no tablet...

Havíamos planejado assistir um espetáculo de som e projeções de imagens na fachada do castelo, mas juntando o drama  vivido e o cansaço, desistimos. Está agora cada um numa telinha (todos dispensando a TV do quarto), todos largados e relaxados na cama em nosso quarto com janelas abertas com vista pra ruela da frente do nosso hotel que foi construído no século XV.

Um comentário:

  1. Oi Aline e Isma
    Normalmente a lógica da pedalada é essa mesma: pedalar.
    Você acaba fazendo os programas que podem acomodar a bike. E não o contrário.
    O cicloturismo tem sua lógica particular.
    Abs

    ResponderExcluir